sábado, 29 de julho de 2017

Ei doutor escrevo para te dizer que estou bem, seguindo todas as recomendações deixadas pelo senhor. Aprendi a engolir aqueles comprimidos, um por um seguidos de um grande copo de agua, alias tenho bebido muito desse tal liquido milagroso também, pura e temperatura ambiente, nada de gelo para não dar gosto. Durmo bem agora, deve ser graças a esses comprimidos né doutor. Alimento-me saudavelmente todos os dias, com exceção dos sábados, pois acabo saindo para comer fora. Aliás fique feliz, tenho saído de casa doutor, não somente para o trabalho mas para passeio. Esses dias sentei-me ao sol, na varanda de casa. Fiquei até o rosto arder, nem precisei de maquiagem nessa semana, estava corada exalando saúde e alegria. Mas os dias nublados voltaram e insistem em ficar... Ah doutor quando o tempo está fechado meu coração se fecha também. Fica difícil controlar. Alguns dias confesso, não me lembrei dos comprimidos. Não me lembrei de lutar e levantar da cama. Somente me deixei, dormir, sonhar, dormir, e pensar. Pensar demais não é bom doutor, eu lembro. Preciso cuidar do corpo e esquecer um pouco a mente. Então, fui lá, me matriculei na ginástica. Faço os exercícios certinho doutor, vejo um bom resultado chegando no espelho.Não tenho preguiça nem medo de sentir dor, diferente de alguns. Mas sabe o exercício mais difícil doutor?Sorrir para todos quando chego lá de manhãzinha. Manter a boca arqueada, e os olhos precisam acompanhar, eu sei, doutor.
Ouça doutor, não se preocupe não estou tendo dias maus.Não estou me deixando levar pela tristeza novamente, isso não. Doutor eu luto. A cada dia ruim eu me forço a ter pelo menos uns outros três ótimos. Para compensar sabe. Tenho dado meus melhores sorrisos. Tenho cercado-me de coisas boas e alegres. Abro as janelas e deixo o sol entrar, estou aprendendo a me fazer útil durante o dia. E trabalho. Trabalho tanto, sem parar. E quando a noite vem estou tão tão cansada doutor... Por vezes não dá nem tempo de pensar e já estou envolvida de sono. Quando desperto já está na hora de recomeçar... Mas tem dias como este doutor, veja só é minha folga. Não sei o que mais fazer..... Então lembro-me de mim. E aí doutor tudo desanda. Descobri veja só, que o remédio para me curar é esquecer-me de mim. É morrer sem me matar de verdade. Só matar as vontades, os sonhos, os pensamentos. Tudo, menos o corpo.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Romance entre os fios de cabelo

Era dia de prova na sétima série, os alunos em alvoroço reclamando que não queriam fazer prova logo na primeira aula, uns viravam emburrados para guardar o material, uns ainda tentavam a questionar  a professora que ignorava os comentários e começava já a distribuir as folhas.
Eu estava ali para auxiliar, não permitir que eles colassem. A sala cheia e os adolescentes insatisfeitos, o ambiente era favorável para o ato. Sentei lá no final bem ao meio para observar de outro ângulo, enquanto a professora ficou na frente de pé.
Ali do meu lugar, passados alguns minutos fiquei a observar uma mocinha jogando seus cabelos longos para trás, numa tentativa frustrada de fazer um coque. O cabelo castanho com as pontas levemente queimadas, provavelmente ainda do verão em alguma praia, fazia umas leves ondas no final, ela levantava ele pra cima e ia juntando com uma mão puxando bem todo ele pra trás, e ia torcendo os fios formando um coque lá no alto, deixando a nuca toda aparecendo. Mas sem ter com o que prender depois de firmar o coque o soltava, e os fios ondulados iam caindo na mesa do rapaz sentado atrás dela. Ao ver a cena pensei logo em repreender a mocinha, estava atrapalhando o colega se concentrar na prova. Mas ao ver ele pegando bem de levinho alguns fiozinhos que cairam sobre a sua carteira, percebi que ele balançava sem parar as pernas por baixo da mesa.. ia enrolando com o dedo um fio bem devagar e depois soltava no ar, parava com receio dela perceber e depois quando ela ia de novo fazer o movimento de prender os cabelos no alto ele abaixava um pouco na carteira e enterrava a cabeça na prova, ficando a poucos centímetros da nuca dela. Percebi que ele respirava fundo e afastava para soltar o ar, e continuava de cabeça abaixada. E então a mocinha nesse momento mais uma vez soltou o coque frouxo com as mãos e derramou os cabelos castanhos pesados por cima da cabeça dele.
Achei que ela fosse perceber o que aconteceu e se afastar, mas ela ainda continuou como que penteando os cabelos e os jogando para trás, no rosto do rapaz. Ele que parecia estar cada vez mais agitado, balançava novamente as pernas por debaixo da carteira enquanto permanecia com os dedos bem de leve tentando enrolar alguns fios sem que a dona dos cabelos ondulados o percebesse. Ela novamente recolheu os cabelos e os enrolou, nesse momento ela deu uma leve virada de lado para trás e não pude ver, mas acredito que os olhos dela encontraram o do rapaz fixados no seu pescoço. Ela deu uma endireitada na carteira, levantou a coluna e fez de novo o coque alto, depois foi abaixando um pouco o pescoço, se abaixando na carteira e jogou de novo os cabelos sobre a carteira atrás. O rapaz parecia estar já esperando o gesto, estendeu as mãos para segurar alguns fios, e dessa vez ele não teve receio, segurou uma mecha mais grossa, enrolou nos dedos, abaixou a cabeça e a segurou e foi com o nariz fungando os fios , segurou e foi puxando mais umas mechas para trás, e vi que ele tentava fazer uma trança, torcendo uma mecha na outra, a mocinha ia jogando não só os cabelos mas todo o pescoço pra trás, e eles pareciam nem se lembrar mais de onde estavam, ele cheirando e torcendo os cabelos dela, ela deitando a cabeça entregue ao carinho.
A professora à frente da sala nesse momento fixou os olhos sérios na cena, e advertiu: Vou tomar a prova! A mocinha se assustou, recolheu os cabelos e se acertou na carteira para começar a ler as questões. O rapaz muito assustado com o flagra que a professora deu pareceu se encolher ainda mais na carteira de vergonha, e começou a dar alguns rabiscos na folha de papel, se ele fazia a prova não sei, mas de cabeça abaixada ficou até o sinal soar. Recolhi as provas dos alunos, quando peguei as dele percebi que a dele estava quase toda em branco, a da mocinha estava feita, com uma letra redondinha e desenhada. Olhei para ele e vi o seu olhar abaixando triste, e me virei e vi que a mocinha já ia saindo da sala balançando os cabelos para outro menino lá na frente.

A tia que pensava não ser preconceituosa

... você não imagina o quanto eram amáveis e dedicados, e até mesmo adotaram uma menina.. veja ela era preta, igual a .... bem preta mesmo.... é eles a adotaram... criaram como filha sabe.... tudo do bom e do melhor... e ela deu tanto trabalho.... você não imagina........

Essas pequenas frases ouvi em uma conversa no fim de semana, e só o que consegui sentir foi um profundo nó, uma bola ficou entalada na garganta. São as palavras que engoli, que não falei. De início senti raiva. Depois pena. Da criança. Dos pais amáveis que para provar o quanto são bons adotaram uma criança negra. E da sociedade que ainda insiste em separar as pessoas por raça. Ora todas as crianças dão trabalho. Se não quer ter trabalho, não tenha filhos! E eles deveriam ter a adotado por amor e não pela cor. Não lembro a palavra com a qual ela comparou a cor negra da menina, mas deve ter sido algumac comparação tão infeliz que minha mente rejeitou e prefere nem se recordar. Ah meu Deus, eu não quero saber a escala de tonalidade da cor dela!! Eu não sei nem mesmo o porque de você estar falando isso!!
Eu não sei nem ao menos se irei conseguir olhar pra você de novo sem gritar por dentro: Preconceituosa! Racista!

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Escrevo, escrevo e escrevo. E quanto mais escrevo mais quero escrever. Escrevo para por pra fora meus pensamentos. Mas eles não saem daqui. Quanto mais escrevo sobre eles ou sobre mim, mais eu sinto que não é a verdade. As palavras vão saindo, os dedos vão se movendo cada vez mais rápido. Aqui não tem corretor se sair errado, errado fica. Não há tempo para rever o que foi escrito. Nem paciência. Os acentos coloco corridos, bom seria não me culpar. Bom. Bom é algo relativo. Pode ser bom pra mim, ou para você, ou não. Aí poderia dizer que é ruim. Mas tem vezes que é só nada. Nada que valha mais a pena se falar, ou pensar. Quando penso, penso muito. Penso por dias, noites e sinto que se passam anos pensando no que se pensar. Pensar não leva a agir. E sim evita. Evita brigas, perca de controle, castigos e consequências. Mas evita também que resolvamos nossos problemas, que sigamos em frente. Em frente. Siga em frente. Não pare nunca. Continue.
Se eu fosse pintora iria pintar meus sentimentos. Para hoje usaria somente o cinza. Os traços poderiam ser simétricos e perfeitos. Não iria por essa bagunça pra fora. Só a cor, ou a falta dela. Não explicaria muito. Se a curiosidade um dia viesse a tona sobre o quadro diria que estava sem inspiração.
Mas eu não sei pintar. Não tenho tintas aqui. Nem folhas em branco. Somente cadernos. Nos quais não quero escrever.
Tem coisas que não merecem o registro. Pensamentos que nunca deveriam ser externalizados. Sentimentos que precisam ficar o mais íntimo possível. Porque o risco pode ser grande.
Posso perder as pessoas que me amam. Ou fingem me amar. Ou são obrigadas a isso.
Posso então nem tê-las, na verdade. Mas ainda assim preciso me preocupar. Elas são poucas e seria um pouco trabalhoso por outras no lugar.
Não quero ficar só. Apesar de ser assim que me sinto a maior parte do tempo.
Mas em alguns pequenos e breves momentos é bom pertencer a algum lugar. Ter com quem sair. E mostrar ao mundo como estamos bem.
Sorrir aquele sorriso tão aberto que os olhos vão junto se espreitando. Fica tão bonito e expontâneo nas fotos. Mas é uma pena, olhar os albuns, por mais que sejam lembranças lindas, não são exatamente as minhas. Sempre encontro um olhar vago ali, um constrangimento lá, e em algumas é possível eu ver claramente o desespero gritando querendo saltar pelos olhos.
Esse coração tá despedaçado aqui dentro. Virou um monte de cacos. Tão pequeninos e que cortam profundamente. Ele que era tão grande, costumavam dizer. Cabia um pouquinho de cada um, e esses uns saíram e deram espaço a um maior que seria o único pensava. O verdadeiro e eterno. Mas é frustrante. Muito mais que fossem qualquer um dos outros. Porque eles ali nunca foram exclusivos ou especiais. Sempre estiveram ali porém cada qual no seu lugar. Agora para que este pudesse vir foi preciso uma bagunça. Foi saindo tudo, amigos, se vocês soubessem as saudades que sinto de vocês... Essa mesma que anda ao lado da vida que caminha tão depressa, e nem me dei conta que já não sei onde acha-los.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Todos os dias ela passava na rua de mãos dadas com a filha, levava a menina pra creche e seguia ela com passos bem apressados para o trabalho. Ela passava e dava bom dia, eu respondia. As vezes eu é que dava primeiro. Ela sorria. Alguns dias percebi que ela parecia um pouco abatida, uma pele tão branca, e um andar mais devagar, parecia cansada. Pensei que luta essa pobre mulher, deve acordar tão cedo pra fazer o lanche da filha, e correr pro serviço, e depois corria de lá pra buscar a menina, que ficava com uma senhorinha lá no fim da minha rua. Um dia vi elas lá na outra esquina do outro lado do bairro, percebi então que ela não morava pertinho. Será que não tinha ninguém para olhar a menina na sua rua? Eram sempre as duas, caminhando de mãos dadas, em silêncio, a menina olhava pro chão, ela pro relógio. Devia estar atrasada, a caminhada era longa e crianças não andam muito rápido. Um dia ela passou com o cabelo bem curtinho, deve ter cortado pra facilitar a vida corrida, não dá pra perder tempo arrumando cabelo. Fiquei com pena, ela parecia ainda jovem, um cabelo bem cuidado podia ajudar a arrumar um outro marido. Eu imaginava, ela devia ser sozinha, porque só via ela e a filha. Será que o pai mandava pelo menos um dinheiro pra ajudar? A menina sempre estava bem arrumadinha. A mulher parecia ter esquecido a vaidade, nem mesmo um batomzinho.
Ela passou um dia com o cabelo ainda mais curtinho, percebi então que tinham alguns buracos sem nada de cabelo. Entendi o motivo do corte. Ela estava doente. Devia ser câncer logo conclui, um tio meu também ficou sem cabelos quando teve. Dei um bom dia mais bem dado. E sorri como se não tivesse percebido qualquer mudança no seu semblante.
Ela foi passando vários dias, e alguns ela punha um lenço colorido na cabeça, outros ela vinha com ela aberta agora sem qualquer fio de cabelo. Uns dias fez frio, e ela colocou um chapéu. Achei bonito ela com algum acessório. Por incrível que pareça ela estava mais bonita que antes, parece até que colocou uma corzinha nos lábios. A menina continuava ao seu lado, segurando a mão da mãe. Eu pensei se ela sabia o que podia acontecer, e até me preocupei, será que a menina teria com quem ficar? Essa criança devia ter muito medo, melhor seria se nem entendesse nada ainda. E elas sumiram por uns dias.Pensei o pior, confesso. A mãe deve ter morrido e a filha ido para a casa de alguma tia ou quem sabe até um orfanato.
E sorri aliviada ao ver elas de novo uns dias depois descendo a rua. Alguns dias depois estava crescendo já um cabelo enroladinho na cabeça dela, e ela sorria, parecia alegre e curada. Estava sem relógio, e andava devagar, a menina ia olhando para os lados e parava quando via algum cachorrinho na rua. Graças a Deus pensei! Bom dia ela me disse, eu respondi e sorri um sorriso mais alegre do que consegui.
Da janela da minha cozinha consigo ver as folhas de um pé de amora, a minha fruta preferida da vida. Me lembra a infância com os primos lá no sítio do falecido vovô, quando era época de amora, nos enfiávamos embaixo do pé e íamos colhendo aquelas frutinhas, selecionando as mais rochinhas que eram as mais doces.. No chão caiam tantas que o mato ficava todo manchado de roxo e vermelho, comíamos até nos fartar, eram dias colhendo as frutinhas, naquele pé carregado.
Muito tempo se passou e morando na cidade já há tanto tempo, nunca mais comi amora. O gosto dela ficou gravado nas minhas lembranças, o docinho gostoso e a mão toda roxa. Gosto de infância.
Hoje, já casada, esposa e mãe, vim morar nessa casa, sem terra no quintal, nem árvore para fazer um balanço para meu filho, são apenas paredes para todos os lados e chão cimentado, quando chove não sinto o cheiro da terra molhada, e quando faz sol não posso deitar no chão porque não tem nem um pedacinho de grama fresquinha.
Mas tem o pé de amora, não na minha triste casa, mas na da vizinha. E ele cresceu, um galho se deitou no muro, fui acompanhando ele se desenvolvendo e vindo em direção ao meu lado. Virou minha distração olhar para suas folhas, cheguei a colher algumas um dia, fiz um chá, meio sem gosto confesso, mas já era alguma coisa, quem sabe um dia eu teria algumas frutinhas, seriam bem poucas eu sei, mas eu iria esperar elas ficarem bem rochinhas para colher. Meu filho iria conhecer o sabor delicioso da amora, e eu iria contar alguma daquelas histórias lá no sítio embaixo do pé.
Os dias foram passando, e o galho cada vez maior, e cada vez mais descendo pelo muro e vindo em direção a minha casa. Lavava as vasilhas e fervia a água do café, sempre de janela aberta olhando meu querido galho de amora. De tarde, cheguei a colocar uma cadeira lá perto do muro. Que sensação boa, poder ler um livro ali, quase imaginava estar ele do meu lado do muro. Tinham até uns passarinhos ali que antes eu nunca via. Quando chovia, me alegrava porque sabia que seria bom molhar a terra, e fui contando os meses esperando chegar a época das frutinhas. Me perdia pensando se iria carregar, talvez no primeiro ano não, esse pé ainda era bem novinho.
Um dia acordar e abrir a janela me deparei apenas com o cinza do muro. Cadê o galho do meu pé de amora? Fui de perto para ver, mas não vi mais nada. Cortaram meu pé de amora. Mas não era meu, então do que reclamar? Fiquei dias me perguntando o porque, quem em sã consciência iria cortar um pé de amora , a fruta mais deliciosa que já provei... Será que estava fazendo muita sujeira do lado de lá? Será que eram os pássaros que irritaram a vizinha? Lembrei que ela tinha uma piscina, da minha casa conseguia ouvir o barulho dos tchibum em dias quentes, era a menina que pulava para nadar... poderia ser que as folhas caiam lá e a mãe estava cansada de limpar todo dia... Não! Não justificava! Qualquer sacrifício valia ter uma raridade dessas no quintal.
Vi a vizinha na rua, pensei em falar um monte sobre tudo que se passava, tinham dias já que eu estava triste sem ver meu galho do pé de amora. Iria perguntar se ela podou, ou se rancou tudo mesmo. Ela me deu bom dia, eu respondi: Tenha um bom dia também dona Laura. E entrei.
Eu sei... deveria ter falado. Mas não somos muito de conversa. Eu fico presa aqui o dia todo, cuidando da casa, e ela do lado de lá igual. Escutamos o barulho de vassoura uma da outra varrendo o quintal, sentimos o cheiro da comida uma da outra na hora do almoço, ela ouve o choro de criança, e eu o barulho do pulo na piscina. Não dividimos nada não, nem mesmo um galho do querido pé de amora eu tive direito. Até porque ele nunca teria como nascer do meu lado, porque aqui não tem terra, só cimento cinza e quente.
Esses dias atrás ao abrir a janela vi uma pontinha de uma folha verde aparecendo no muro. Descobri então que o pé estava vivo ainda. Ela deve ter cortado apenas o galho que estava descendo pra cá. Meu pé de amora estava ainda vivo e forte, deve dar fruto no fim do ano. Fiquei pensando se ela vai deixar cair o galho pro lado de cá do muro de novo. Seria bom. Ainda me restam esperanças de comer amora de novo. Não encontro elas na feira...  Não! Melhor não ficar animada! Ela vai saborear as frutinhas sozinha, talvez até fazer um suco ou congelar algumas frutinhas antes que apodreçam! Não vou pensar mais em nada! Melhor fechar a janela! Da cozinha, e da saudade...

quarta-feira, 22 de março de 2017

Toda vez que chovia a vó Maria corri cobrir os espelhos do casarão de madeira, botava as crianças para dentro e ia fechando todas as portas e janelas, ia correndo na capelinha que ficava a virgem e fazia o sinal da cruz. Ia no quarto escondida olhar a fresta da janela a chuva, se ouvisse trovão corria de novo gritando para os pequenos ficarem quietos e já arrumava uma cobertas para forrar todos juntos num quarto, era mais fácil para vigiar. As crianças corriam puxavam sua saia pedindo e reclamando, queriam ver a chuva lá fora. " Mas nem pensar, e cês não tem é juízo mesmo, todo mundo no quarto agora! Mas vó num tem nada pra fazer... eles protestavam ... Então vamo todo mundo rezar meus filho, que temporal é caso sério!
E era mesmo, Dona Maria bem sabia o que falava... Já tinha seus 80 e alguns anos, e ,muita experiência dessa vida e dessa natureza ali na grota que morava desde mocinha. Se criou ali , filha de agricultores, e depois esposa também. Sofreu muito com tempos secos e aprendeu desde cedo a rezar pedindo chuva, quando era criança lembrava de que dançava e comemorava quando vinha a chuva molhar a terra. Era sinal de esperança, de muita alegria. Mas tinham anos que ela vinha era bem forte, levava as vezes a plantação inteira embora, e no desespero alguns bichos também morriam atolados na lama que se formava. Aí era triste,  e rezavam de novo para ela parar. Assim foi a vida toda. Aprendeu a rezar pedindo o meio terno, água pra molhar não o bastante pra matar. 
Mas um fato em especial marcou para sempre o coração de Dona Maria, e nunca mais conseguiu dormir em dia de temporal. O medo era tanto que tremia a noite toda, preferia então em noites de tempestade ficar de vigília, ora rezando, ora tremendo, e tentando afastar a triste lembrança daquele dia....
Aquele dia, tantos anos já tinham se passado... mas lembrava até dos pequenos detalhes de tudo o que aconteceu. Mesmo que fechasse os olhos para afastar, aí vinha aquele cheiro de terra molhada trazendo tudo de volta na cabeça...
Nesse tempo dona Maria era ainda bem jovem, recém casada, descobrindo o amor a cada dia, seu esposo um moço carinhoso de apelido Nhohô tinha ganhado seu coração, a familia foi fácil de dobrar, e entre o namoro e casamento foram só três meses. Um ano depois já seguravam nos o primeiro filho, o fruto desse amor. Um lindo anjinho de olhos grandes e cinzas como o céu em dia nublado, um menino doce, e muito tranquilo desde os primeiro dias. Foi crescendo ali naquela fazenda que apesar de pequena era bem cuidada. Na casinha de madeira simples que foi cosntruída no meio do terreno em uma parte mais alta, podiam ver de lá todo o redor das plantações e o curral atrás do córrego que rodeava até terminar lá embaixo num riozinho bonito e que Nhonhô tinha muito orgulho de mostrar pras visitas. Dona Maria, mãe precavida depois do nascimento do menino Gabriel tomou muitos cuidados, já não ia mais na roça com o marido. Acordava ainda cedinho, no primeiro raiar do sol pra tratar os bichos e cuidar da horta, e logo voltava enquanto o bebê ainda estava dormindo, ajeitava o almoço. Depois Nhonhô ia pra roça e ela se dedicava só aos cuidados com o filho e o serviço de casa. 
Gabriel foi crescendo com muito amor, o pai mesmo cansado no fim do dia sempre se esforçava em brincar bastante e contar muitas histórias principalmente sobre os bichos que ele tanto gostava. Logo o menino aprendeu a falar suas primeiras palavras, e quando chamava "pa-pá" Nhonhô vibrava. Quando estava na roça ficava já cuidando de planejar tudo que ia ensinar pro filho e o pedaço de terra que ia separar pra quando ele tivesse maior, se perdia nos pensamentos olhando pro alto de um monte que ainda era mata fechada, pensava que daqui uns anos teria que abrir por lá, daria uma plantação boa de café ali. Mas precisava de ajuda, por isso ia esperar o menino crescer. Não podia nem contar nada disso pra esposa, essa batia o pé que o filho não ia lascar as mãos na enchada de jeito nenhum, ia estudar, ser doutor, ou professor que eram profissões bonitas. Rezava todo dia pra virgem pedindo pro filho ter gosto nos estudos, e o pouco que sabia das letras ensinava o menino toda tarde, não tinham livros ali, só uma bíblia que ganhara da mãe quando casou, então tirava uns salmos e copiava no caderno uma linha, e Gabriel ia tentando copiar ainda só o garrancho mas muito sério e concentrado em acertar.
O tempo andava bem seco naqueles anos, e torciam para chuva vir pra encher o rio do terreno, através dele que molhavam todo dia o café e as bananas, que era o que dava mais dinheiro no fim do ano pra vender. Gabriel estava já com quase três anos e o pai planejava comprar um carrinho que ele namorou na loja no dia que foi na cidade. Dona Maria olhava de tarde pro céu e apontava, mostrando pro filho o tempo mudando, era fim de março chegando. O calor do verão já tinha diminuido, e o dia terminava com um vento forte, mas nada de chuva. Até que uma noite no meio da madrugada Maria acordou Nhonhô que dormia um sono pesado, gostava do cheiro da chuva, abriu a janela pra sentir. O casal namorou ali com aquele ventinho com chuva entrando no quarto, e de manhã quando despertaram já tinha estiado e o sol meio tímido saia lá de traz da montanha. Nhonhô deu um beijo na testa da mulher, foi lá ver o filho que dormia ainda no bercinho branco no outro quarto, e só passou os dedos de leve no rostinho dele, dava pena acordar. Foi direto lá embaixo ver se a água do rio tinha subido e de lá resolveu andar até a fazenda do lado para tentar negociar um cavalo que queria comprar pro filho que tinha paixão nos bichos.
Quando foi lá para meio dia Dona Maria viu que o céu escureceu de novo, já tinha dado o almoço do filho e lavava umas vasilhas, terminou e foi ver Gabriel, que brincava no chão da sala, com uma bolinha de plástico colorida. Ele sempre tranquilo não dava trabalho pra mãe, ela o pegou no colo e levou pro quarto, era hora do cochilo. enquanto ele cochilava ela gostava de bordar umas toalhas, remendava umas roupas desfeitas, e arrumava as roupinhas do menino no armário. O tempo foi fechando e parecia que tinha ficado noite, ouviu um barulho forte de trovão, parecia que ia vir a chuva de novo. Foi fechar a janela do quarto do filho, e cobriu as perninhas dele, porque já vinha um vento gelado também. Enquanto ia fechando as outras janelas passou na sala em frente a imagem da virgem que ficava no canto em cima da estante junto com a bíblia. Pensou em fazer uma reza, agradecer a chuva, mas lembrou da roupa que tinha do lado de fora ainda no varal. Foi lá tirar. Do lado de fora olhou em volta procurando se via o marido em algum canto, na certa devia estar longe, e não quis gritar pra não acordar o menino, logo ele devia voltar, todo molhado.
A chuva aumentou e Gabriel acordou assustado e gritou chamando a mãe, não falava ainda muito mas fazia sinal animado que queria ver, a mãe dizia que não, e tentava distrair ele no chão da sala com a bolinha colorida, ele brincava um pouco, logo vinha outro trovão ele pedia que queria ver da janela a chuva. Dona Maria nesse tempo não tinha medo da chuva, mas sim era de resfriado, todo cuidado que podia tomar com o menino ela tomava. Pegou ele no colo ninando e cantando, e ele se aquietou, Quando ele botou ele de volta no chão ele sentou de volta pegando a bolinha e brincando de rolar ela de um lado para o outro da sala. Pediu água pra mãe, ela foi buscar na cozinha.
Quando ia na cozinha pegar o copo de água dona Maria aproveitou pra abrir a porta da casa e ver se o marido vinha chegando já que a chuva estava ficando mais forte, quando abriu a porta se assustou com o vento forte, a chuva molhou o rosto dela, e ela puxou logo de volta a porta e fechou. Estava preocupada, mas afastou os pensamentos ruins falando pra si mesma, "logo ele chega", quando voltava com o copo de água, ouviu um trovão forte e a casa clareou por um instante, se apressou de volta pra sala onde estava o menino, imaginando que ele devia ter se assustado, quando chegou na sala outro trovão forte estorou, iluminando a casa toda de novo, mas dessa vez bem mais. Chegou a se assustar, e chamou Gabriel, ele não estava na sala, pensou que ele devia ter corrido pro quarto da mãe, se esconder na cama, como ele fazia quando ficava assustado com alguma coisa. Mas quando ia atravessando a sala pra ir para o quarto sentiu por um momento um nó na garganta, antes de pisar o pé dentro do quarto percebeu que o quarto estava claro, a janela aberta, e o menino de pé olhando lá pra fora. 
Já ia dar uma bronca nele por ter aberto a janela nessa chuva, e quando gritou de novo o nome dele e ele não virou de volta sentiu de novo aquele medo, pegou na mão do menino, ele olhou para a mãe com os grandes olhos cinzas, pareciam estar mais escuros ainda, e assustados... e ela olhou pra fora na direção do que ele olhava pela janela e soltou um " aiii" Assustada ela viu porque o menino estava assim também, a árvore que ficava de frente pra janela do quarto estava saindo fumaça dos galhos, um raio tinha caído ali, 

O artista

"Um dos principais motivos da criação artística é certamente a necessidade de nos sentirmos essenciais em relação ao mundo" Jean Paul Sartre.
Porque se torna escritor? Porque é uma necessidade. Um grito abafado que um dia precisa sair da garganta. Uma revolta com as injustiças da sociedade que nos corrói por dentro. É quando já engolimos tantas palavras que elas começam a escorrer pelos dedos. Porque muitos se calam. Porque alguns precisam falar. Representatividade. A pessoa que fala expõe o que pensa. E quando se escreve se torna real. As palavras escritas se eternizam.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A melhor maneira de viver em paz é perdoar as pessoas que nos magoaram e seguir a vida. O perdão nos liberta de um tormento que prejudica mais a pessoa que foi ofendida que a que ofendeu.  Isso gera dor, sofrimento, e pouco a pouco você se vê numa prisão sem muros e não sabe como sair dela. Deus pode curar essa ferida que te corrói todos os dias.E, quando estiverem orando, se tiverem alguma coisa contra alguém, perdoem-no, para que também o Pai celestial perdoe os seus pecados. Mas, se vocês não perdoarem, também o seu Pai que está nos céus não perdoará os seus pecados.{Mateus 11:25-26}