quarta-feira, 12 de abril de 2017

Escrevo, escrevo e escrevo. E quanto mais escrevo mais quero escrever. Escrevo para por pra fora meus pensamentos. Mas eles não saem daqui. Quanto mais escrevo sobre eles ou sobre mim, mais eu sinto que não é a verdade. As palavras vão saindo, os dedos vão se movendo cada vez mais rápido. Aqui não tem corretor se sair errado, errado fica. Não há tempo para rever o que foi escrito. Nem paciência. Os acentos coloco corridos, bom seria não me culpar. Bom. Bom é algo relativo. Pode ser bom pra mim, ou para você, ou não. Aí poderia dizer que é ruim. Mas tem vezes que é só nada. Nada que valha mais a pena se falar, ou pensar. Quando penso, penso muito. Penso por dias, noites e sinto que se passam anos pensando no que se pensar. Pensar não leva a agir. E sim evita. Evita brigas, perca de controle, castigos e consequências. Mas evita também que resolvamos nossos problemas, que sigamos em frente. Em frente. Siga em frente. Não pare nunca. Continue.
Se eu fosse pintora iria pintar meus sentimentos. Para hoje usaria somente o cinza. Os traços poderiam ser simétricos e perfeitos. Não iria por essa bagunça pra fora. Só a cor, ou a falta dela. Não explicaria muito. Se a curiosidade um dia viesse a tona sobre o quadro diria que estava sem inspiração.
Mas eu não sei pintar. Não tenho tintas aqui. Nem folhas em branco. Somente cadernos. Nos quais não quero escrever.
Tem coisas que não merecem o registro. Pensamentos que nunca deveriam ser externalizados. Sentimentos que precisam ficar o mais íntimo possível. Porque o risco pode ser grande.
Posso perder as pessoas que me amam. Ou fingem me amar. Ou são obrigadas a isso.
Posso então nem tê-las, na verdade. Mas ainda assim preciso me preocupar. Elas são poucas e seria um pouco trabalhoso por outras no lugar.
Não quero ficar só. Apesar de ser assim que me sinto a maior parte do tempo.
Mas em alguns pequenos e breves momentos é bom pertencer a algum lugar. Ter com quem sair. E mostrar ao mundo como estamos bem.
Sorrir aquele sorriso tão aberto que os olhos vão junto se espreitando. Fica tão bonito e expontâneo nas fotos. Mas é uma pena, olhar os albuns, por mais que sejam lembranças lindas, não são exatamente as minhas. Sempre encontro um olhar vago ali, um constrangimento lá, e em algumas é possível eu ver claramente o desespero gritando querendo saltar pelos olhos.
Esse coração tá despedaçado aqui dentro. Virou um monte de cacos. Tão pequeninos e que cortam profundamente. Ele que era tão grande, costumavam dizer. Cabia um pouquinho de cada um, e esses uns saíram e deram espaço a um maior que seria o único pensava. O verdadeiro e eterno. Mas é frustrante. Muito mais que fossem qualquer um dos outros. Porque eles ali nunca foram exclusivos ou especiais. Sempre estiveram ali porém cada qual no seu lugar. Agora para que este pudesse vir foi preciso uma bagunça. Foi saindo tudo, amigos, se vocês soubessem as saudades que sinto de vocês... Essa mesma que anda ao lado da vida que caminha tão depressa, e nem me dei conta que já não sei onde acha-los.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Todos os dias ela passava na rua de mãos dadas com a filha, levava a menina pra creche e seguia ela com passos bem apressados para o trabalho. Ela passava e dava bom dia, eu respondia. As vezes eu é que dava primeiro. Ela sorria. Alguns dias percebi que ela parecia um pouco abatida, uma pele tão branca, e um andar mais devagar, parecia cansada. Pensei que luta essa pobre mulher, deve acordar tão cedo pra fazer o lanche da filha, e correr pro serviço, e depois corria de lá pra buscar a menina, que ficava com uma senhorinha lá no fim da minha rua. Um dia vi elas lá na outra esquina do outro lado do bairro, percebi então que ela não morava pertinho. Será que não tinha ninguém para olhar a menina na sua rua? Eram sempre as duas, caminhando de mãos dadas, em silêncio, a menina olhava pro chão, ela pro relógio. Devia estar atrasada, a caminhada era longa e crianças não andam muito rápido. Um dia ela passou com o cabelo bem curtinho, deve ter cortado pra facilitar a vida corrida, não dá pra perder tempo arrumando cabelo. Fiquei com pena, ela parecia ainda jovem, um cabelo bem cuidado podia ajudar a arrumar um outro marido. Eu imaginava, ela devia ser sozinha, porque só via ela e a filha. Será que o pai mandava pelo menos um dinheiro pra ajudar? A menina sempre estava bem arrumadinha. A mulher parecia ter esquecido a vaidade, nem mesmo um batomzinho.
Ela passou um dia com o cabelo ainda mais curtinho, percebi então que tinham alguns buracos sem nada de cabelo. Entendi o motivo do corte. Ela estava doente. Devia ser câncer logo conclui, um tio meu também ficou sem cabelos quando teve. Dei um bom dia mais bem dado. E sorri como se não tivesse percebido qualquer mudança no seu semblante.
Ela foi passando vários dias, e alguns ela punha um lenço colorido na cabeça, outros ela vinha com ela aberta agora sem qualquer fio de cabelo. Uns dias fez frio, e ela colocou um chapéu. Achei bonito ela com algum acessório. Por incrível que pareça ela estava mais bonita que antes, parece até que colocou uma corzinha nos lábios. A menina continuava ao seu lado, segurando a mão da mãe. Eu pensei se ela sabia o que podia acontecer, e até me preocupei, será que a menina teria com quem ficar? Essa criança devia ter muito medo, melhor seria se nem entendesse nada ainda. E elas sumiram por uns dias.Pensei o pior, confesso. A mãe deve ter morrido e a filha ido para a casa de alguma tia ou quem sabe até um orfanato.
E sorri aliviada ao ver elas de novo uns dias depois descendo a rua. Alguns dias depois estava crescendo já um cabelo enroladinho na cabeça dela, e ela sorria, parecia alegre e curada. Estava sem relógio, e andava devagar, a menina ia olhando para os lados e parava quando via algum cachorrinho na rua. Graças a Deus pensei! Bom dia ela me disse, eu respondi e sorri um sorriso mais alegre do que consegui.
Da janela da minha cozinha consigo ver as folhas de um pé de amora, a minha fruta preferida da vida. Me lembra a infância com os primos lá no sítio do falecido vovô, quando era época de amora, nos enfiávamos embaixo do pé e íamos colhendo aquelas frutinhas, selecionando as mais rochinhas que eram as mais doces.. No chão caiam tantas que o mato ficava todo manchado de roxo e vermelho, comíamos até nos fartar, eram dias colhendo as frutinhas, naquele pé carregado.
Muito tempo se passou e morando na cidade já há tanto tempo, nunca mais comi amora. O gosto dela ficou gravado nas minhas lembranças, o docinho gostoso e a mão toda roxa. Gosto de infância.
Hoje, já casada, esposa e mãe, vim morar nessa casa, sem terra no quintal, nem árvore para fazer um balanço para meu filho, são apenas paredes para todos os lados e chão cimentado, quando chove não sinto o cheiro da terra molhada, e quando faz sol não posso deitar no chão porque não tem nem um pedacinho de grama fresquinha.
Mas tem o pé de amora, não na minha triste casa, mas na da vizinha. E ele cresceu, um galho se deitou no muro, fui acompanhando ele se desenvolvendo e vindo em direção ao meu lado. Virou minha distração olhar para suas folhas, cheguei a colher algumas um dia, fiz um chá, meio sem gosto confesso, mas já era alguma coisa, quem sabe um dia eu teria algumas frutinhas, seriam bem poucas eu sei, mas eu iria esperar elas ficarem bem rochinhas para colher. Meu filho iria conhecer o sabor delicioso da amora, e eu iria contar alguma daquelas histórias lá no sítio embaixo do pé.
Os dias foram passando, e o galho cada vez maior, e cada vez mais descendo pelo muro e vindo em direção a minha casa. Lavava as vasilhas e fervia a água do café, sempre de janela aberta olhando meu querido galho de amora. De tarde, cheguei a colocar uma cadeira lá perto do muro. Que sensação boa, poder ler um livro ali, quase imaginava estar ele do meu lado do muro. Tinham até uns passarinhos ali que antes eu nunca via. Quando chovia, me alegrava porque sabia que seria bom molhar a terra, e fui contando os meses esperando chegar a época das frutinhas. Me perdia pensando se iria carregar, talvez no primeiro ano não, esse pé ainda era bem novinho.
Um dia acordar e abrir a janela me deparei apenas com o cinza do muro. Cadê o galho do meu pé de amora? Fui de perto para ver, mas não vi mais nada. Cortaram meu pé de amora. Mas não era meu, então do que reclamar? Fiquei dias me perguntando o porque, quem em sã consciência iria cortar um pé de amora , a fruta mais deliciosa que já provei... Será que estava fazendo muita sujeira do lado de lá? Será que eram os pássaros que irritaram a vizinha? Lembrei que ela tinha uma piscina, da minha casa conseguia ouvir o barulho dos tchibum em dias quentes, era a menina que pulava para nadar... poderia ser que as folhas caiam lá e a mãe estava cansada de limpar todo dia... Não! Não justificava! Qualquer sacrifício valia ter uma raridade dessas no quintal.
Vi a vizinha na rua, pensei em falar um monte sobre tudo que se passava, tinham dias já que eu estava triste sem ver meu galho do pé de amora. Iria perguntar se ela podou, ou se rancou tudo mesmo. Ela me deu bom dia, eu respondi: Tenha um bom dia também dona Laura. E entrei.
Eu sei... deveria ter falado. Mas não somos muito de conversa. Eu fico presa aqui o dia todo, cuidando da casa, e ela do lado de lá igual. Escutamos o barulho de vassoura uma da outra varrendo o quintal, sentimos o cheiro da comida uma da outra na hora do almoço, ela ouve o choro de criança, e eu o barulho do pulo na piscina. Não dividimos nada não, nem mesmo um galho do querido pé de amora eu tive direito. Até porque ele nunca teria como nascer do meu lado, porque aqui não tem terra, só cimento cinza e quente.
Esses dias atrás ao abrir a janela vi uma pontinha de uma folha verde aparecendo no muro. Descobri então que o pé estava vivo ainda. Ela deve ter cortado apenas o galho que estava descendo pra cá. Meu pé de amora estava ainda vivo e forte, deve dar fruto no fim do ano. Fiquei pensando se ela vai deixar cair o galho pro lado de cá do muro de novo. Seria bom. Ainda me restam esperanças de comer amora de novo. Não encontro elas na feira...  Não! Melhor não ficar animada! Ela vai saborear as frutinhas sozinha, talvez até fazer um suco ou congelar algumas frutinhas antes que apodreçam! Não vou pensar mais em nada! Melhor fechar a janela! Da cozinha, e da saudade...